domingo, 23 de dezembro de 2007

Apresentação

Este blog nasce de uma necessidade de reflexão sobre a crise das ciências sociais, decorrente, entre outros motivos, da superação das formas antropomórficas do social, criadas em consequência do advento das redes e da comunicação digital. O fim da experiência urbana e das formas territoriais de pertencimento é algo que todos trazemos dentro de nós. De minha parte, comecei a viajar pela America Latina, para fazer pesquisa, nos anos noventa. Me desloquei por Cuba, Colômbia, Ecuador e no Brasil, atraído pelos originais significados culturais e pelas formas politicamente pouco ortodoxas da conflitualidade.
Atualmente habito e pesquiso nas redes e nos contextos digitais pós-urbanos.

Pesquisar - das nossas fatigas e do nosso ofício

Existem duas formas distintas de fazer pesquisa - dois modos diferentes que dizem respeito não somente do “como” mas, também, “do que” se pesquisa e de quem queremos nos tornar.
Duas formas que remetem também a duas épocas distintas.Uma - a forma acadêmica e tradicional - que, reproduzindo a estética da “ação bela” do artista, do político, do guerrilheiro, vê o intelectual como o portador de uma verdade ou de um pensamento inovador, construtor de um conhecimento vanguardista e marginal que pode se manifestar também, paradoxalmente, contraposto à academia, enquanto descobridor e original. Este tipo de pesquisador cria escolas, discípulos, e entende o pesquisar como um ato solitário e auto-celebrativo, cujo resultado é uma obra autoral inédita. Esta visão de intelectual se insere muito bem nos moldes de medição de produção científica quantitativa, enquanto celebra o culto ao indivíduo-pesquisador. Esta concepção pensa que o pensamento acadêmico é distinto e superior àquele popular e que os intelectuais possuem um papel social de dirigir e de indicar o caminho.
A segunda forma remete a conjunto e coletivos inteligentes, mentes “abertas” enquanto conectadas às demais, que compartilham o caminho do conhecimento e da pesquisa. Nada a ver com um comunitarismo ou com um ideal filantrópico, mas com uma necessidade epistêmica devida à alteração contínua dos nossos objetos de pesquisa. Tal alteração, de fato, é ligada à digitalização do mundo, isto é, ao papel da técnica que introduz continuamente elementos e sentires novos, nos obrigando a um devir contínuo que impossibilita a consolidação de um pensamento individual único.
Em síntese, nos deparamos com o dado inédito de que, epistemologicamente, a rede e o social transorgânico, nem real, nem digital, não podem ser mapeados ou teorizados, mas interpretados somente temporariamente. Isto é, pelo tempo breve da duração de uma última forma de tecnologia. É bom não banalizar a relação tempo e ciência, uma vez que foi sempre da problematizaçao deste binômio que surgiram as principais transformações científicas no método e nos significados das descobertas (Galileu, Einstein, etc.). Se nada de duradouro é possível conhecer, isto é, se o tempo não pode ser mais dominado, a única possibilidade é uma ciência e um conhecimento “interventivo” que descubra percepções e leituras temporárias, que amanhã já serão outras. Esta constatação gera uma conciência do tipo de trabalho e do tipo da ação do cientista do futuro (leia-se presente), bastante diferente das anteriores. Daqui a necessidade de se superar a forma diacrônica da pesquisa e substituir esta pela forma espacial que busca verificar a fertilidade de uma percepção no espaço, ou seja, em lugares diferentes, e não mais no tempo, no coletivo e não mais somente no individual.
Vale a pena repensar os próprios conceitos de inteligência, de individual e de coletivo. Estes termos, de fato, assumem, nesta prespectiva, significados não mais dicotômicos, mas sim temporários e transitórios.
Deslocação e presentismo... vamos por aí...!