
O primeiro elemento, aquele ligado aos vínculos comunitários musicais, não me pareceu, desde o início, um vínculo particularmente coercitivo. Obviamente, a cultura da música eletrônica, da House Music e de todas as suas derivações, estimulava o interesse dos freqüentadores, mas não no sentido tradicional, ou seja, não certamente nas formas e nos significados das vanguardas musicais ou das comunidades surgidas através dos diversos estilos e gêneros musicais. Portanto, abandonei também tal abordagem e me voltei com convicção ao aspecto místico.
A relação música-dança-trans, a crise das formas religiosas tradicionais, o advento da new age e a crise das formas ideológicas do social, tinham aberto espaço ao surgimento de novos significados. Uma primeira constatação era relativa à ausência total do elemento ritual, evidente do fato que nas Raves não se percebia nenhuma forma de coletividade, nem de coesão de pequenos grupos. Dever-se-ia, no caso, pensar em uma forma individual de mística, que emergia nas formas solitárias da dança que se desenvolvia sem o tradicional elemento de aproximação entre os sexos. Os corpos se moviam autonomamente e, sobretudo, sem nenhuma comunicação entre eles. Além disso, o elemento místico era sedutor, ainda mais se ligado às suas inéditas expressões imanentes, que pareciam indicar um contato direto e físico com o desconhecido, todavia não era, sozinho, suficiente para explicar as formas solitárias de convívio assim tão diversas daquelas grupais e dionisíacas das discotecas tradicionais. Nenhuma sedução, nenhum ritual de fim-de-semana, nenhuma evasão das normas e dos costumes morais, nem espaço de encontro e de difusão de culturas alternativas ou, de certo modo, de ritualidade e de significados coletivos. Se o movimento hip hop tinha expressado naqueles anos também os valores e elementos de uma cultura orgulhosamente marginal, praticamente com expressões diferentes em todas as metrópoles, não se podia dizer o mesmo das Raves e dos seus freqüentadores.
Uma agregação sem cultura nem significados sociais, uma espacialidade extra-social... Continuava a procurar possíveis interpretações, mas, no final sempre me restava algo difícil de entender, o centro da questão continuava a escapar-me. Nem o estudo dos estilos e das suas variações se revelou útil a tal propósito. Concluí, assim, que também a pesquisa dos significados rituais, místicos ou coletivos, não tinha me conduzido a um nível interpretativo satisfatório para mim.
Tinha entendido que nem mesmo a interpretação antropológica me permitia, como aquela sociológica, compreender a fundo o sentido das agregações das festas Rave... Quando, (como acontece nesses casos) sem um porquê definido, “tive uma luz”.
Cansado de observar as interações entre os presentes, me pus a observar as performances dos DJs e os seus efeitos sobre o público. Me pareceu, súbito, que a relação entre o DJ e o público era completamente diversa daquela dos shows de rock onde se tinha, sobre o palco, a exibição do artista e, da outra parte, a presença dos fãs-expectadores. Aqui a interação era de outro tipo e não só pelo fato relativo ao diálogo contínuo com o público, como sempre revelado pelas declarações dos DJs que admitem a necessidade de interação como um elemento fundamental para a seqüência das suas intervenções, mas também devido à pouca presença de palco do DJ, que se mantinha praticamente quase escondido, passando quase sempre completamente despercebido. Disso compreendi que nas Raves as relações e as formas de socialidade não eram antropomórficas, ou seja, não aconteciam somente entre sujeitos, grupos etc., mas entre corpos, ondas sonoras, circuitos elétricos (seqüenciador, computadores, mixer, amplificadores etc.) e drogas sintéticas. Decidi parar de observar os comportamentos e as pessoas que freqüentavam as Raves e passei a observar as instalações, os refletores de luz, os amplificadores e as mesas dos DJs, as caixas e os circuitos elétricos que não só produziam música, mas criavam um ambiente, determinando uma situação social transorgânica.