terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Pesquisa e Sentido comum

Desde a época de Platão, a ciência e o conhecimento surgiram em oposição à opinião e ao sentido comum.
No Reveillon de alguns anos atrás, me encontrava no interior de Medellín para desenvolver uma pesquisa. O objetivo era recolher as biografias de alguns expoentes do Exército de Libertação Nacional, o ELN, movimento guerrilheiro de inspiração guevarista. Naquela época eu já vivia no Brasil e, alguns anos antes, havia mantido contato em Roma com militantes exilados pertencentes a diversos grupos, sobretudo da América Central, do Farabundo Martì do Salvador e da URGN do Guatemala, até o M-19 e o ELN da Colômbia. Eram, em geral, dirigentes, ou militantes importantes, que estavam passando um período mais ou menos longo na Itália, à espera de que se acalmassem as águas e de que a verificação de uma situação politicamente mais favorável lhes permitisse o retorno. No interior do grupo de pesquisa sobre a América Latina, eu tinha estreitos contatos e relações com alguns deles, tendo conhecido histórias e realidades muito diversas e distantes da minha situação de jovem pesquisador.
Desde essa época tinha alimentado o desejo de conhecer mais de perto e melhor tais formas radicais de conflitualidades. Em particular, o que atraía o meu interesse era conhecer quais eram as motivações que, no início do ano 2000, levavam indivíduos de diferentes idades e condições sociais a praticarem a luta armada. Tinha interesse em testar a solidez e a coerência ideológica deles, através da observação do seu cotidiano.
Existiam, naquele tempo, na Colômbia, pelo menos três movimentos guerrilheiros na ativa que, logo depois da Constituinte, escolheram não abandonar as armas e continuar a seguir as pegadas de Che. Naqueles anos tive a oportunidade de aprofundar - em um master coordenado pelo professor Ferrarotti, que se desenvolveu na Faculdade de Sociologia em Roma - as técnicas de pesquisa que utilizavam as histórias de vida, e tinha já decidido utilizá-las no meu futuro objeto de pesquisa. Também neste caso, um pouco como sempre me aconteceu, a pesquisa era motivo de uma auto-investigação, surgia de uma necessidade de conhecimento a respeito da atualidade ou, pelo menos, do pensamento de Guevara no continente; e foi o desejo de tal conhecimento que me levou mais vezes para a Colômbia, entre os seguidores dos sonhos de Camillo Torres.
A minha pesquisa se desenvolveu em diversas etapas. Gravei a biografia de uma mulher, ex-juíza e comandante, de uma jovem mulher recém-saída da prisão e de um ex-comandante, mas uma das coisas que mais me chamou a atenção foi o encontro com alguns jovens militantes, que eu tinha decidido entrevistar justamente para melhor intuir as suas opções. As regras no interior do acampamento eram severas, coisa esta compreensível no interior de um contexto de guerra como aquele vivido nas montanhas da Colômbia. Entre as outras proibições, os jovens não podiam trocar efusões, nem entreter relações amorosas entre si, menos ainda as condições por eles vividas lhe permitiam de se interessar aos fatos e as questões políticas locais ou internacionais.
Questionados a respeito, as suas respostas me pareciam aquelas de jovens soldados comuns, que se preocupavam com as regras, as punições, as conseqüências, expressando personalidades e pensamentos muito pouco rebeldes e, dada a sua pouca idade, surpreendentemente ordenados.
A sua aceitação das regras me parecia como a expressão de uma passividade e de personalidades e atitudes muito diversas daquelas que tinham guiado Guevara, Camillo e muitos outros.
Em S. Paulo, entre uma viajem e outra, naquele mesmo período, saia com a Elis e a Patrícia, duas amigas modelos que, pontualmente depois das 22.30 da noite, passavam para me levar nas festas e locais, me apresentando, assim, um mundo até então para mim pouco conhecido. A realidade da moda e da vida daqueles que trabalhavam com eventos e desfiles me fizeram entrar em contato com garotas maduras e independentes que conheciam diversos paises e que, através do seu trabalho, seguiam objetivos, indo em direção contraria as visões comuns e uma ainda muito presente cultura machista. Tinham regras e objetivos, mas sabiam se desfazer destes subitamente, para seguir um curso no exterior, ou pelo simples desejo de mudar de rota e seguir outra direção.
Lembro-me que em uma noite de fim de ano, longe dos fogos e das festas, depois de ter gravado um dialogo com jovens guerrilheiros, passei a anotar no meu diário de campo azul a seguinte frase: "As coisas consideradas fúteis pelo demais são as mais importantes e as coisas consideradas por todos importantes são fúteis...".

Um comentário:

nome disse...

Oi
Estou adorando os posts, mas este é especialmente belo.

abraço.
Fabio